segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Fernando Pessoa e a Defesa da Literatura Policial


         Pouca gente sabe, mas Fernando Pessoa foi autor de várias histórias policiais, que, infelizmente, encontram-se todas fragmentárias e, em alguma medida, incompletas. Suas histórias, porém, são bastante interessantes por apresentarem, aos moldes de Sherlock Holmes e Auguste Dupin, dois detetives geniais: o ex-sargento inglês William Byng e o médico português Dr. Abílio Quaresma.
         Para além de suas narrativas policias (ou policiárias, como preferia dizer), Pessoa escreveu também um ensaio (também incompleto) chamado “História Policial” no qual analisa diversas obras, defendendo o gênero e expondo o que, para ele, seria a história policial ideal.

Sem querer me alongar muito, gostaria apenas de citar o trecho deste ensaio em que Pessoa defende com mais fervor o gênero policial, que desde a sua época, e ainda hoje em dia, é muito desprezado pela crítica. Nunca tive dúvidas quanto à qualidade e importância do gênero, mas, depois destas palavras de Pessoa, espero que mais gente reveja seus conceitos. A quem tem ainda o preconceito, fica aqui essa defesa legítima de um gênero desprezado por muitos. Eis o que fala Pessoa:
   
         “Uma ideia muito errada tem tido grande aceitação – nomeadamente que uma história policial não passa de uma obra de tipo inferior. Os críticos, em especial aqueles que se ocupam de obras poéticas e filosóficas, são unânimes na sua depreciação deste tipo de história. Olham-na como algo que não necessita de imaginação e de pouca ou nenhuma lógica. Mas estão enganados num ponto – nunca tentaram analisar as histórias de que falo, nunca mediram acerca daquilo que uma história policial realmente é e nas faculdades necessárias à sua escrita. Alguns desses críticos podem ser desculpados, pois, como estão muito habituados ao trabalho, nesta área, de alguns senhores, que não irei mencionar, e de muitos outros de valor literário semelhante, inferiram correctamente, a partir do que conheciam, que a história policial não precisa de imaginação, que não precisa de lógica – que, na realidade, qualquer pessoa a pode escrever, desde que não tenha respeito pelo intelecto que possui.
         “Por outro lado, a ideia popular é a oposta. A multidão faz o seu julgamento a partir das mesmas premissas e retira a conclusão oposta. Como a imaginação dos autores de que falei não é superior à imaginação popular; como a sua lógica não é mais perspicaz do que a lógica de um carpinteiro ou de um padeiro (supondo que o intelecto do carpinteiro e do padeiro não é superior ao que se pensa), o homem comum considera que estes autores atingiram o limite da esperteza humana.
         “A multidão, no entanto, erra devido à simples estupidez; os críticos erram porque não analisaram devidamente.”


(Fernando Pessoa, “História Policial” in Histórias de um Raciocinador. Edição e Tradução de Ana Maria Freitas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, pp. 228-9).