Pouca gente sabe, mas Fernando Pessoa foi autor de várias
histórias policiais, que, infelizmente, encontram-se todas fragmentárias e, em
alguma medida, incompletas. Suas histórias, porém, são bastante interessantes
por apresentarem, aos moldes de Sherlock
Holmes e Auguste Dupin, dois
detetives geniais: o ex-sargento inglês William
Byng e o médico português Dr. Abílio
Quaresma.
Para além de suas narrativas policias
(ou policiárias, como preferia dizer), Pessoa escreveu também um ensaio (também
incompleto) chamado “História Policial”
no qual analisa diversas obras, defendendo o gênero e expondo o que, para ele,
seria a história policial ideal.
Sem querer me alongar muito, gostaria apenas de citar o trecho deste
ensaio em que Pessoa defende com mais fervor o gênero policial, que desde a sua
época, e ainda hoje em dia, é muito desprezado pela crítica. Nunca tive dúvidas
quanto à qualidade e importância do gênero, mas, depois destas palavras de
Pessoa, espero que mais gente reveja seus conceitos. A quem tem ainda o
preconceito, fica aqui essa defesa legítima de um gênero desprezado por muitos.
Eis o que fala Pessoa:
“Uma ideia muito errada tem tido grande
aceitação – nomeadamente que uma história policial não passa de uma obra de
tipo inferior. Os críticos, em especial aqueles que se ocupam de obras poéticas
e filosóficas, são unânimes na sua
depreciação deste tipo de história. Olham-na como algo que não necessita de
imaginação e de pouca ou nenhuma lógica. Mas estão enganados num ponto – nunca tentaram
analisar as histórias de que falo, nunca mediram acerca daquilo que uma
história policial realmente é e nas faculdades necessárias à sua escrita.
Alguns desses críticos podem ser desculpados, pois, como estão muito habituados
ao trabalho, nesta área, de alguns senhores, que não irei mencionar, e de
muitos outros de valor literário semelhante, inferiram correctamente, a partir
do que conheciam, que a história policial não precisa de imaginação, que não
precisa de lógica – que, na realidade, qualquer pessoa a pode escrever, desde
que não tenha respeito pelo intelecto que possui.
“Por outro lado, a ideia popular é a
oposta. A multidão faz o seu julgamento a partir das mesmas premissas e retira a conclusão oposta.
Como a imaginação dos autores de que falei não é superior à imaginação popular;
como a sua lógica não é mais perspicaz do que a lógica de um carpinteiro ou de
um padeiro (supondo que o intelecto do carpinteiro e do padeiro não é superior
ao que se pensa), o homem comum considera que estes autores atingiram o limite
da esperteza humana.
“A multidão, no entanto, erra devido à
simples estupidez; os críticos erram porque não analisaram devidamente.”
(Fernando Pessoa, “História Policial” in Histórias de um Raciocinador. Edição e Tradução de Ana Maria
Freitas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, pp. 228-9).