IMAGINE ZUMBIS NA COPA
Roteiro: Felipe Castilho
Arte: Tainan Rocha
Editora: GIBIZ
SINOPSE: A
copa do mundo chega à sua grande final. E é justamente durante este jogo decisivo
que o fim da humanidade pode ter se iniciado. Por trás das câmeras e sobre o
gramado, três pessoas enfrentam suas próprias batalhas, antes de perceberem que
o maior pesadelo de uma nação pode não ser uma derrota em casa... e que nenhuma
tragédia esportiva na história chegou ao nível do que está para acontecer
dentro dos portões do Maracanã.
Quem me conhece sabe: não há nada que eu deteste mais no mundo
do que futebol... Por motivos vários, mas para não me alongar aqui, afinal,
essa não é a questão, digo apenas que nada tenho contra o esporte em si, mas
não gosto do jogo, da competição, da torcida, do chororô, dos fogos, do pão e
circo semanal. Jamais vou entender como alguém pode chorar pelo fim de um jogo,
sendo o resultado positivo ou negativo. Vai entender... Talvez minha
incompreensão se deva ao fato de eu mesmo não ser competitivo e não ter
paciência com esse tipo de coisa; talvez ela se deva ao fato de eu me revoltar
com a facilidade de as pessoas se deixarem distrair com um jogo... Mas enfim,
como eu disse essa não é a questão.
O fato é que apesar de detestar futebol, algum tempo antes da
fatídica Copa do Mundo, meu grande amigo Felipe
Castilho me convidou para o lançamento de seu trabalho mais recente... Uma
HQ, em parceria com Tainan Rocha que
saiu pelo selo GIBIZ da Editora GIZ,
e cujo tema era, nada mais, nada menos do que futebol. E zumbis, é claro.
Se fosse de outro autor, é claro que sequer cogitaria comprar (e
quem dirá ler) a HQ, mas era do Felipe... Para ajudar, a HQ tem o sugestivo
nome: Imagine Zumbis na Copa. Logo vi
que iria rir muito (e estava certo), então deixei o preconceito de lado e li...
Li de uma tacada só, pois o trabalho ficou bom demais e não foi possível parar!
E ao terminar a leitura, fiquei feliz de não ter deixado minha birra com
futebol me impedir de lê-la, pois, afinal, tudo o que li fez o maior sentido do
mundo! Pois, na verdade, acho impossível alguém que não goste de futebol deixar
de gostar de sua HQ! (espero que essa frase faça sentido). Mas falo sério! Eu
ri muito lendo e me senti vingado também... Mas acho que quem gosta de futebol
também vai gostar, é claro. E quem gosta de zumbis, é óbvio. Sobretudo, quem
tem bom humor, quem gosta de uma ironiazinha ácida e bem feita, e, é claro, de
quem gosta de desenhos estilosos e bem coloridos.
Brincadeiras à parte, a verdade é que adorei as críticas que o
Felipe fez em seu roteiro, tanto as mais veladas, quanto as mais escrachadas.
Achei genial o conflito de interesses que permeiam o texto, sobretudo, na
personagem René (um menino haitiano pobre que cresce e se torna juiz – e acaba
sendo contratado para apitar a final da Copa, no Brasil). Diga-se de passagem,
René é a melhor personagem. Aliás, gostei muito da ponte que ele fez com o
Haiti, mostrando a pobreza do país e como o futebol pode parecer para uma
realidade assim (tal qual a de nossas favelas) um sonho e até um modo de vencer
na vida, como acontece com René (e isso não é spoiler, pois fica claro logo no começo). Mas de volta à partida
final, Felipe introduz o tema da corrupção, e com ele alguns questionamentos
existenciais e muitas alfinetadas engraçadas que mesclam o humor com o tema
sério. E esse conflito entre o que é certo e o que é errado quando tem gente
passando fome e quando o aparentemente errado pode ser uma saída para se fazer
o bem, deu um toque existencialista pra coisa que contrasta de modo bastante
interessante com o humor geral que permeia o texto, mostrando que as coisas são
bem mais do que parecem, e dando um chute na cara de todo mundo (inclusive na
minha) que critica, muitas vezes, sem refletir as infinitas possibilidades (mas
continuo sem gostar de futebol, que fique claro).
No pano de fundo há zumbis. E (um pequeno spoiler) o Felipe ainda banca o médium, prevendo a mordida entre
jogadores que deu tanto o que falar na Copa da vida real. Se foi previsão,
providência ou marketing, não sei dizer. Mas a vida imita a arte, não é mesmo? Futilidade está aí para provar.
Para além disso, achei bem legal como o Felipe conseguiu amarrar,
em tão poucas páginas, vários núcleos (pois a história nem de longe se resume
ao René)... Um dos núcleos mais legais é de um jogador veterano, ex-viciado, depressivo
e esquecido, com conflitos existenciais. Novamente, os limites entre o certo e
o errado, o bem e o mal se tornam muito tênues.
O final me pegou de surpresa, sobretudo, pelo epílogo estar meio
escondido... Gostei das entrelinhas, e fiquei chocado quando pensei, no final,
que uma certa personagem tinha morrido.
E em meio a tudo isso, há zumbis. Os zumbis estão lá, mas no
fim, há muito além deles, não?
Porém, nem tudo são elogios, né? E quem me conhece sabe que se
elogiei até aqui foi por ter gostado mesmo e ter lido com muito prazer... (não
sou de criticar, prefiro comentar apenas quando gosto, se não tivesse gostado,
simplesmente não comentava... fica a dica). Mas feito esse preâmbulo para
introduzir minha única crítica, tenho de confessar, que achei o fim muito
abrupto, e o epílogo um pouco confuso (ficou muita coisa subentendida). Mas
talvez seja apenas porque não queria que a história acabasse... No final, eu me
senti órfão, por acabar tão de repente. E no epílogo, pensei: “acho que deixei
escapar algo”. Mas entendi depois, eu acho... Por outro lado, há algo de que
gostei muito no epílogo, e não posso falar, pois é spoiler...
Quanto aos desenhos do Tainan, só digo que espero ver mais do
trabalho dele. Os traços, as cores, tudo coube perfeitamente. O cara tem muito
talento.
Por fim, não posso deixar de dizer que toda a referência ao
Haiti me fez lembrar de imediato de um de meus livros preferidos: País sem Chapéu, de um haitiano radicado no Canadá chamado Danny
Laferière (acho que já o mencionei em algum lugar aqui no blog, ou não. De toda
forma, preciso escrever sobre ele um dia). É uma história semiautobiográfica
(mas com direito a zumbis também, uma descida aos infernos dantesca e deuses da
mitologia vudu) em que um jornalista, também radicado no Canadá e exilado do
Haiti volta para a casa da mãe, vinte anos depois, e entra em conflitos
existenciais ante a miséria do país, pós-ditadura e conflitos. É um livro muito
bonito. No Brasil, saiu pela Editora 34 e ouvi dizer que a tradução está ótima.
Foi inevitável fazer a ponte, diante de tantas coincidências entre o livro e a
HQ, guardadas, é claro, as gritantes divergências.
Que venham mais trabalhos do Felipe e do Tainan.
Nenhum comentário:
Postar um comentário